24 novembro 2014

A viagem que vi e reparei

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.
(José Saramago)

Estou distante de tudo aquilo que chamam de civilização. Lugar que se deve, por obrigação, reconhecer as premissas dos Filósofos da Natureza, pensar em paz, harmonia e toda aquela história de contemplação que acaba sendo desimportante no dia-a-dia: Vale do Pati*.

Aqui não há meios de transportes, pelo menos que estejam disponíveis para uso pessoal. As cargas são transportadas em burros e mulas que precisam ser muito bravos para sustentar todas as regalias humanas. Energia apenas solar, nada de celular e internet. Demorei um dia todo para chegar. Esforcei-me para acordar antes das 5 horas da manhã e vim andando até depois das 12. Subi e desci morros, passei por rios, matas. Dentre as poucas casas que têm, fiquei instalado na mais próxima.

Aqui venta muito e, aliás, mesmo que não ventasse, valeria a pena ter nascido. Lembrando assim de Fernando Pessoa: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”.

Desconfigurei a rotina; olhei bem para o chão, reparei as estrias da terra e a textura das rochas. Olhava para um lado e via um imenso paredão. Queria entender geologia para estudar melhor aquelas formas, saber sua origem e seu possível futuro. Porém, sem esforço analítico sei que são belíssimas, simplesmente porque são e não há quem conteste. Serras como estas estão por todo lugar. Formas, contrastes, sombras e impactos distintos. Há uma cachoeira que forma um funil, realmente muito impressionante, assim como aquelas pequenas quedas d’agua. Lembro que chamava isto de cachoeiras para formigas na minha infância. Quando subi o Morro do Castelo, aproximadamente 1.500 metros de altitude, percebi que estava num morro para humanos.

Tudo aqui é trilha. Nada é fácil, no entanto tem seu preço. Belo liquen encontrei numa rocha, bela forma a luz solar faz numa folha. Falando em folhas, lindas aquelas folhas secas que nem precisam de vida para impressionar.

Ah! e o sol... O feixe alaranjado de luz no branco acinzentado das rochas no topo das serras. Não acabava quando o sol se punha, formando o céu mais estrelado nunca visto antes. Identifiquei pelo menos o Cruzeiro do Sul, as Três Marias, típico de um ignorante em astronomia. Mas tenho o direito de me impressionar, querendo fotografar este mar de estrelas mesmo sabendo que no final a câmera não captaria nada.

Passei frio, mas nada que uma fogueira não resolvesse. A dualidade do poder do fogo de ora proteger e ora ser destruidor. Nem sempre me preocupei em estar contra o vento para não receber a fumaça. Além de ter me aquecido somente de um lado, tendo que virar às costas depois.

Não obstante, farei este processo de escrita da luz – mesmo que sem luz - fundindo na minha memória àquela paisagem e tantas outras que desconfiguraram meu olhar automático e superficial: a água, a terra, o vento e o fogo.

*Vale do Pati, Chapada Diamantina - Bahia